sexta-feira, agosto 17, 2007

És tu, pai?

Alfredo era o homem que suportava com dor em todo o corpo. Uma dor tão extensa, capaz de causar lesões nas pernas, aquelas que não nos deixam andar em frente.
Alfredo saía de casa todas as manhãs no seu carro. Não trabalhava, pois estava de baixa médica. Nas suas manhãs, Alfredo dirigia-se sempre até ao parque infantil. Lá, sentava-se sempre num banco por detrás dos baloiços. Enquanto fumava cigarros, escrevia poesia. Para Alfredo, escrever poesia, era a forma mais fácil de se afastar da realidade.
Certa manhã, enquanto Alfredo escrevia a sua poesia acompanhada pelos seus cigarros, foi surpreendido por um homem que já não tinha a visão. Era um indivíduo já de certa idade e usava roupas descuidadas e gastas pelo tempo.
- Todos os dias me apercebo que estás aqui, jovem. - disse o idoso.
- Não me recorda de o ter visto por aqui anteriormente, quem é o senhor? - disse Alfredo.
- Afinal, parece que afinal não sou assim tão cego quanto isso. Já agora, tenho reparado que sempre que te "vejo", apercebo-me que tens sempre um ar preocupado.
- Pois senhor, eu sou o homem que possui toda a dor do mundo. Quem me dera poder viver num mundo sem dor.
- Sim, como te percebo. Mas tens a certeza de que gostarias de viver num mundo sem dor?
- Tenho. Tenho mesmo.
- Então eu vou tratar disso, mas aviso-te desde já que te vais arrepender e consequentemente voltar atrás.
- Garanto-lhe que não! Farto de viver em dor estou eu.
E assim foi, passadas poucas horas, Alfredo estava num mundo sem paredes , num vazio onde a inexistência de tudo era predominante.
Quando chegaram Alfredo questionou:
- Onde estamos, senhor?
- Neste momento encontramos-nos num mundo sem dor. Aqui não existem outros seres, não tens conflito com ninguém. Não te podes magoar.
- Mas senhor, eu queria um mundo sem dor, não a solidão.
- Para levares uma vida eternamente sem dor tens de ser único, não podes ter contacto com ninguém. A não dor e o contacto humano não são compatíveis.
- Tem razão. Leve-me de volta à realidade. Mais cedo ou mais tarde passamos momentos da vida em que a dor se esconde, depois vêm outros bons, mas a dor acaba sempre por voltar, é como se fosse uma alternância constante. Prefiro o inconstante à solidão.


A dor devia ser um factor secundário.

1 Comments:

Blogger Someone said...

Infelizmente não é secundário.

9:33 da tarde  

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