domingo, fevereiro 18, 2007

Três cigarros

Eu percorro ruas e ruas. Olho-as em redor, são tão diferentes da última vez. Tão feias. Da última vez não eram assim, tinham outro brilho. Era o brilho que tu lançavas que mudava a minha visão, os teus cabelos brilhavam tanto, que cresciam na tua cabeça como uma cascata, desciam. A água dos teus cabelos espalhava-se em todo o redor. Era a coisa mais bonita do mundo. Mas desta vez não, está tudo morto. Está tudo morto porque tu não estás.

Deixaste-me um vazio tão grande no coração. O meu coração gritou tanto por ti, tanto tanto, gritou para que o ouvisses. Mas tu não ouviste, estavas longe. Mas ele continuou a gritar, gritou até á exaustão. Cansou-se. Cansou-se e saiu, deixou um vazio em forma de coração no meu coração. Só ficaram as bordas. Eu não tenho voz, o meu coração gritava, gritava com desespero, desesperou. Saiu. E eu podre continuava o meu percurso, o percurso infinito á tua procura. Tu nunca aparecias. Eu desesperava e fumava um cigarro, cada cigarro que eu fumava degradava-me e limpava-me mutuamente. O fumo que eu liberto sai com a névoa dos meus fantasmas, limpa-me. Mas cada cinza que deixo para trás são pedaços podres de mim. Pedaços que marcam a minha passagem, restos de mim. Pode ser que um dia apanhes a cinzas e as consigas juntar.

Continuo o meu percurso, melhor, as minhas pernas continuam, sim, porque eu ando perdido, as minhas pernas é que te seguem, andam com vida própria. Eu sou um morto-vivo. E fumo mais um cigarro, largo mais cinzas, solto fantasmas. E continuo a andar, continuo continuo continuo. O resultado é o mesmo. Não há sinais teus, e o meu peito desta vez é o quem grita. Eu não tenho voz, também já só me restam as bordas do vazio do meu coração em forma de coração, por isso é o meu peito que grita. Grita grita, por ti. Grita por que dói, grita porque sente a solidão. Grita porque fazes falta. Eu não sinto, perdi o coração. Mas o meu peito sente.

E os meu ouvidos que gritam? Os meus ouvidos gritam a dor do vento, gritam porque o vento os agride. O vento agride-nos porque nos quer dificultar a vida, mas as minhas pernas são mais fortes, porém de nada vale, nunca te conseguimos encontrar. Desesperadamente fumo mais um cigarro (o último) e vou-me embora, deixo as cinzas pelo caminho, pedaços de mim, pedaços que eu deixo perdidos aleatoriamente. Pedaços que marcam a minha sentença de morte.

Talvez um dia consigas reunir as minhas cinzas e dar-me vida novamente.

3 Comments:

Blogger daniela said...

Deixaste-me pasmada com este texto.. está lindíssimo. Do que tens por aqui, isto é sem dúvida o mais bonito. E ontem escrevi um texto semelhante, que acho que vou postar. O facto de encarar o mundo sozinho, sem essa pessoa.

Gostei mesmo muito.. digo e repito, isto está lindo.

3:03 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

''Eu sou um morto-vivo. E fumo mais um cigarro, largo mais cinzas, solto fantasmas.''

Concordo com a daniela, está perfeito.
Quando dão a nossa vida ao asfalto que calcamos, que calcam. Calcam as nossas cinzas. E vamos deixando a voz a ecoar a vida, as cinzas.
Fizeste-me sentir aí (a velha questão de nos identificarmos com palavras).
Um beijo

8:45 da tarde  
Blogger Daniel C. said...

Muito bom
De certa maneira fez-me lembrar este excerto que agora transcrevo:

(...)Eles sabem, eles sempre souberam, apenas tu é que não.
Não é o que temias nas noites solitárias, ou nos caminhos intermináveis, ou nos olhares que se cruzavam com o teu, nunca foi isso.
É apenas o que carregavas, como um erro impresso em ti.
Não são palavras que te ferem, mas sim a sua ausência.
Não são emoções, mas a falta delas.
Não é a ironia, nem a revolta, tu morres pela esperança.
Quando essa luz branca se apaga e a realidade te cega...
Eles não matam a esperança, tu sim.

Tudo no quarto 101. (...)

Escreves muito bem, keep the good work.

Abxo

3:04 da tarde  

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