quarta-feira, abril 04, 2007

Acorda!

Sentado, muito tempo ele ali permaneceu no banco do jardim. Paciente. Esperou. Sempre numa postura imóvel e pálida, nem a fricção dos raios solares que lhe embatiam na pele o revitalizavam. Bem que podiam estar um dia inteiro a tentar perfurar-lhe a pele. Seria inútil, tal a sua tamanha imunidade.

Um dia, após a sua longa espera, ela chegou. Olhou todo o jardim, analisou-o. Viu-o sentado no banco, rodeado de solidão: o banco, as árvores, a relva, as flores, o lago, as pedras.

Acredito que a solidão seja um filme, no qual somos actores principais, tudo em nosso redor são figurantes, face à pouca preponderância que têm na acção. Ela é uma espectadora atenta ao filme.

Ser atenta como é, nenhum pormenor lhe escapou. Rapidamente encontrou um banco onde se sentar, situando-se este, no lado oposto do banco onde ele, imóvel, permanecia. Em passadas secas e delicadas sobre o verde da relva, ela dirigiu-se ao banco do lado oposto do jardim: sentou-se. Ambos em seus bancos permaneceram, ele imóvel, ela observadora. Nada lhe escapava. O seu olhar consumia atentamente todos os seres que vinham ao jardim. Eu não sei dizer ao certo, com quantos ela confraternizou, sei que foram vários. Mas com ele, nem um olhar ela trocou.

Agora, ele fumava um cigarro por acender. O cigarro é a ampulheta que define o tempo deles. Quando a última cinza cair ao chão, essa vai ditar o fim do cigarro, o fim da espera, aí, quem sabe, eles poderão entrar pacificamente em contacto.

Eterna espera da extinção do cigarro. Talvez ela tenha o isqueiro que falta para o acender. Para queimar o tempo. Porém, é visível a indiferença que ela demonstra em acender o cigarro dele. Aparentemente eterno.

Mas um dia, ela adormeceu no seu banco. Ele levantou-se. Em passadas aceleradas dirigiu-se em seu encontro, disse:

- Tens isqueiro?

Num acordar brusco e repentino, dando de caras com o encurralamento, ela viu-se obrigada a ceder, respondendo afirmativamente. Ele acendeu o cigarro. Fumou-o. Dissipou a ampulheta. Eles estavam agora em contacto. Tudo pela conservação de algo.

Nem tudo é para sempre, mas há coisas que podem ficar para sempre.

Ele apanhou-a de surpresa. Interrupção eterna do sono.