sexta-feira, março 23, 2007

Percurso sem retorno.

Foi numa noite que eu fui à tua procura. Era uma daquelas típicas e sufocantes noites de verão. Eu nunca parava a meio do caminho para pensar, mas eu também não queria pensar. Eu só queria sentir. Sentir-te. Eu caminhava caminhava caminhava, caminhava tanto, mas parecia que não saía do sítio. Das duas uma: ou as ruas eram todas iguais, ou eu realmente não saía do mesmo lugar. Se calhar eu andava perdido num labirinto de ruas. Por mais esforço que eu fizesse para sair desta, para te encontrar. Eu não encontrava a saída.
Entretanto, parecia que algo me espiava. Parecia que as luzes dos candeeiros de iluminação me espiavam. Espiavam e riam-se nas minhas costas, pensando, olha mais um que não se consegue livrar desta. E riam-se. Era uma explosão de gargalhadas sarcásticas. Gargalhadas maléficas. Eu não ouvia as luzes, mas isto tudo era uma suposição tão óbvia. Afinal a luz que sai projectada dos candeeiros da rua, sai desfeita em múltiplos fios de luz, como os da chuva, mas estes são tão brilhantes. Estes fios penetram-me a pele e os orifícios de ouvidos e narinas, espiam-me. Espalham-se. Sabem-me ao pormenor. Sentem a minha alma. Mas mais ninguém me sabe, só os raios de luz brilhantes e tu. Tu só sabes porque eu te disse. Porém, de nada me vale.
Eu cada vez me sentia mais podre à maneira que ia digerindo o chão debaixo de mim. O calor da noite é tão sufocante. Sentia o meu corpo em água no seu interior. O suor e a podridão debaixo da minha pele a tentar brotar. Tão grande esforço eles faziam para serem expelidos. Mas a minha pele está morta. Seca. Por isso, não os conseguía expelir. Era tão notório o acumular progressivo de de suor e podridão na minha carne, no meu interior. Eu continuava sempre a andar, sempre nas ruas, labirinto, aonde quer que eu esteja. Sinais teus...nada. Nada nada. Nem um cabelo teu. Só me apercebia da escuridão de fundo e sombras de casas e ruas estampadas na escuridão. As sombras negras espantadas sobre a escuridão, sombras estas que mostram as coisas a existir na noite. Mais nada.
Após mais umas inúmeras voltas, deixei de aguentar. O meu corpo deixou de aguentar. O meu corpo já estava cheio de suor e podridão até à exaustão. Morri. Morri a insistir em ti, à tua procura.
Uma vida para mais não ver.

quarta-feira, março 14, 2007

Um dia pensei em escrever palavras pelos mais diversos sítios. Palavras que eu queria que sentisses, palavras que eu queria que lesses. Palavras óbvias a dizerem o teu significado. Mas como são óbvias eu pensei melhor. Já não as vou escrever por diversos locais. Eu não quero que tu apanhes uma overdose de palavras. As overdoses de palavras podiam quebrar ainda mais o nosso contacto. Eu não quero que as palavras se atravessem no nosso meio e se quebrem. Não quero que elas se quebrem em mil pontos e originar um monte de areia no nosso meio. Por agora ainda só temos uma camada de ar a separar-nos. Não quero um monte de areia feito de grãos de palavras a dividir-nos. Para isso, já basta a brisa de ar.

Desesperei tanto naquela noite em que me disseste: estás a ver o ar que passa entre nós? O ar leva o tempo, deixa o ar levar o tempo, deixa o tempo dar tempo ao ar. Para circular.

Inundei tanto o meu quarto em mar. Chorei tanto. Fiquei com tanta água salgada no quarto. Com tanto desespero não conseguia fazer nada, só pensava nada, pensava no vazio e sentia um vazio ainda maior no meu interior. O vazio que deixaste em mim.

Nessa noite, limitei-me a nadar de um lado para o outro: chegava a uma margem de uma parede e depois retornava para a margem paralela. Assim sucessivamente, sempre de uma margem para a outra. Sempre a nadar. Sempre a dar braçadas. Os meus braços a penetrarem suavemente na água levantando gotículas. É o meu suor. O meu esforço a andar de margem para margem. O meu esforço a matar tempo e ar. Eu ainda respirava, matava ar.

Com a exaustão das sucessivas braçadas, dei um mergulho. Mergulhei na água e ganhei uma memória daquelas de dois segundos. Aquelas dos peixes. Não conseguia, não queria pensar. Pensar dói. A racionalidade dói. Por isso, sou um peixe.

Quando saía da água, tudo voltava à normalidade. Eu voltava a recordar-me de tudo. Olhava em redor, via: tu não estavas. O meu peito sentia. As minhas retinas sentiam. As minhas retinas sentiam por cima as lágrimas a escorrer. É a dor em forma de água que saía directamente dos meus olhos e espalhava-se pelo meu quarto. O meu quarto inundado de água. De dor.

Eu espalho a dor á minha volta, porque sinto. Tenho peito. Sinto.

Os sentimentos valem muito mais que as palavras. As palavras só existem para dar nome ás coisas, para termos a certeza que elas existem. Só. Tu tens nome, existes. Eu tenho nome, existo. Os sentimentos têm nome, existem. Repito: as palavras não valem nada. Elas existem para termos a certezas acerca do que existe, para criar distinção entre as coisas. Mas contigo, jamais iria precisar de palavras para ter certezas. Para distinguir.

A minha maior certeza, és tu.

domingo, março 11, 2007

Um mundo?

Eu já percorri o mundo. Já, várias vezes e apercebi-me dos seus contrastes, dos seres, da natureza, vi quase tudo.

Da primeira vez, foste tu quem me levou a ver o mundo. As pessoas eram todas iguais, aliás, contigo eu não via as pessoas. Ao teu lado sou um cego. Um cego que só te vê a ti. Mas ainda consigo ver os pormenores do mundo. Mas ainda assim eles são frinchas fininhas, daquelas das persianas mal fechadas. É assim o mundo aos meus olhos. O mundo aos rectângulos. Quando nós passávamos, os pássaros faziam-nos uma vénia e entoavam melodias “rockeiras”. Só para nós. quatro pequenas aves que tocavam: uma delas cantava de tal forma, que cortava o fôlego a quem o ouvia, soprava hallelujahs que punham qualquer um de queixo caído; outro era um habilidoso guitarrista, tinha uma “asa-guitarra”, ele estica a asa e com a outra toca suavemente nas cordas, da mesma maneira actuava a ave baixista; por fim tínhamos a ave baterista, tinha uma bateria de pedras e paus, desta saía um som como o das verdadeiras, ou melhor até. Era fantástica a actuação das aves. Depois da actuação das aves, nós continuávamos a andar, sempre a andar e víamos os meus rios de sangue, calmos, serenos.

As condições meteorológicas eram propícias às nossas caminhadas, o sol brilhava tanto tanto. Estava tudo no seu auge. Tu és a condicionadora de todos os estados. Estás comigo, está tudo perfeito. O teu toque é perfeito.

Passado algum tempo, eu voltei a percorrer o mundo. Mas desta vez, tu não vieste. Não vieste e estava tudo diferente. Desta vez os meus olhos estavam bem abertos, nada me escapou. Ao invés dos pássaros que nos apareceram no passado, desta vez foram corvos que apareceram, corvos rudes e sentenciadores. Olhavam-me de lado, agrediam-me e diziam-me palavras cruas. Palavras por cozinhar, duras. Palavras que doem. Palavras que criam danos no meu coração.

De seguida, continuei a minha caminhada, os meus rios de sangue, desta vez transbordavam, a maré encheu de tal forma, que destruiu as margens, tudo à volta se encontrava degradado. Eu estava morto.

O mundo nunca mais foi a mesma coisa. Mas se calhar o mundo não mudou nada, se calhar fui eu que mudei de mundo e tu não vieste, se calhar foi isso.

Talvez um dia, quando tu vieres, talvez tudo volte a ser como antes. Até lá, irei continuar a dormir, morto, a defrontar corvos orelhudos. A viver uma morte. Será eterno?

domingo, março 04, 2007

Sinto-te ( sentes-me? )

Um dia andavas tu sozinha a vaguear no céu. Um dia eu fui ao céu, tu viraste-te para mim e disseste, sente. Eu senti. Senti de novo, senti o sangue escorrer-me nas veias, senti o ar a penetrar as minhas narinas, senti o meu coração a palpitar, resumindo, senti. Depressa o céu mudou o seu contraste de cinza das fotografias antigas que retratam acontecimentos melancólicos, para o azul marítimo. Contigo a realidade dos meus olhos é outra. A tua realidade é real. Eu sinto.
Depois, eu virei-me para ti e disse, sente. E tu sentiste. Sentimos-nos. Elevaste-me para uma nuvem, sentimos-nos. Repousamos-nos um tempo indefinido na nuvem a sentir. Sempre a sentir. Eu continuamente sentia tanto, cada vez mais. Progressivamente.
Um dia fez-me noite, a negridão repousou sobre as nuvens. Nessa altura disseste-me, deixei de sentir. Deixaste de sentir, eu deixei de sentir. Mas continuei a sentir-te eternamente. Continuo a sentir que fazes falta.
Por isso, agora eu digo:
Fazes-me sentir de novo, se eu te fizer sentir?