sexta-feira, abril 27, 2007

A tempestade.

Um dia estava-mos frente a frente,
de repente veio uma tempestade:
levou a minha mente e alma,
levou também o teu coração.

Os ventos arrastaram-nos, separaram-nos,
quebraram a tensão existente,
tinha sido aberta uma brecha para que não perdesses o controlo.
Para que pudesses respirar.

O estado tempestuoso soprou para atrás a página actual,
onde preencho estas linhas,
dando vida uma renascida página em branco.

Uma página que eu preenchera de dor, de morte,
infinita página de dor:
contém linhas intermináveis
e a dor é um tumor que se alastra progressivamente.
Mata.

Porém, um dia vi um feixe de luz iluminar a página recente,
percebi que era o fim da tempestade,
as palavras de luto negro nas linhas ganhavam um brilho incandescente,
convertiam-se num luto de branco,
queriam ver se iludiam a dor.
Mas não.

Agora que a tempestade parou, acalmou,
vamos os dois sair dos nossos esconderijos,
para um reencontro lá fora?

sábado, abril 21, 2007

Ironia dos deuses.

Um dia disseram-me que era o super-homem. Contaram-me também que podia fazer tudo e mais alguma coisa. Quiseram-me fazer crer, que ser com um lenço com remendos, a fazer de capa, atado ao pescoço, faria de mim gente.

Ser ingénuo, caí na cantiga. Caí num poço. Num poço escuro e bem fundo. Local onde resido até hoje. Ainda é hoje o dia, que esforçadamente o tento escalar, mas acabo sempre por derrapar no musgo das paredes. Já caí tantas vezes de cabeça. Se viesse uma mão que me pudesse socorrer, era mais cómodo.

Os seres divinais da terra vagueiam lá em cima com classe. Como verdadeiros deuses. Ignoram a minha existência. Vêm regularmente buscar água ao meu habitat. Nunca me questionaram sobre a invasão que me faziam regularmente, mas eu também nunca lhes disse nada. Mas sentia uma tremenda vontade em fazê-lo. Repito: nunca disse nada mas queria. E dói, dói tanto tanto. A dor não se resume a receber-mos palavras que doem ou quando sentimos ausência de alguém. A dor também é não se poder fazer nada. Querer dizer palavras que estão presas no interior, e não poder. É o que dá, o medo à ira dos deuses. Eles podem punir-me eternamente. Mais eterno ainda.

Já ouve quem me sussurrasse ao ouvido: és o super-homem, podes sair desta, voando. Ingenuamente, tentei fazer uso do lenço remendado, por sinal não deu frutos nenhuns. Afinal, ser banal como os outros sou. Ainda dizem que não necessito de um propulsor para voar. Pura ironia dos deuses.

quarta-feira, abril 18, 2007

"Esta é a estrada que me destrói e que me puxa. Única e última. Este caminho que não é estrada. Este céu que não traz o silêncio, mas que o grita quando o silêncio é insuportável. Penso: talvez eu já não seja este corpo que me tornei, talvez eu já não seja esta forma dentro deste corpo, talvez eu seja eu já morto só a sofrer, sem vontade, só à espera da morte que nunca chegará."

JLP, in "Nenhum Olhar"

quinta-feira, abril 12, 2007

Noites em branco ( quando dormirei em paz? )

Bons, os tempos em que eu conseguía tocar o céu. Tu seguravas-me os tornozelos e eu tocava as nuvens. Tu fazias-me sentir. Fazias-me sentir o ser mais elevado do mundo. Ingénuo, foi o ser em que me converti.
Era tão bom contemplar o mundo de lá de cima, contigo.
Um dia, não sei se os teus membros branquejaram ( ainda não percebi nada de nada ), ou que raio se sucedeu, tu deixaste-me cair. Desmanchei-me em pedaços. Deixaste-me partir. Morri.
Ignoraste. Foste embora.
Eu no chão, permaneci. Ferido.
Ainda hoje é o dia em que aguardo que alguém me venha fazer um curativo e me ajude a levantar ( de preferência podias ser tu ).
Perante tamanha espera por um salvamento, entrei em coma. Eu já não aguentava mais. Entrei directamente num sono de pesadelos. Todos eles eram relacionados a ti.
Ainda hoje é o dia, pelo qual aguardo alguma palavra e um curativo..
Há muito que aqui reside o sono atribulado. Habitat eterno do medo. Da dor.

segunda-feira, abril 09, 2007

Repouso.

Barulho e poluição sonora são os efeitos secundários das palavras quando as proferimos. Elas penetram-nos o ouvido, explodem. Causam distúrbios. De seguida, elas põe-se sobre nós, pesam-nos, diminuindo a dilatação da caixa torácica, devido ao seu peso a pesar em cima do corpo. Chega a um ponto que começa a sufocar. As cabeças ganham pés, andam desnorteadas de um lado para o outro, de um lado para o outro, sempre num desespero desumano. Imploração aos deuses do silêncio.

Quando as preces são escutadas, é-nos cedido um cenário de um campo rural. O cenário com distúrbios desaparece, levando consigo o ser que incomoda os outros. No cenário rural escuta-se o silêncio dos pássaros a cantar e a brisa do vento a fazer festas no trigo. Apenas. Permanência provisória no silêncio. Na tranquilidade.

No campo somos confrontados com o tempo, lá é-nos disponibilizado todo o tempo que pretender-mos de solidão. Quando está tudo digerido, voltamos ao meio natural. A convivência com as pessoas volta.

Estadia de lazer que não dura para sempre.

quarta-feira, abril 04, 2007

Acorda!

Sentado, muito tempo ele ali permaneceu no banco do jardim. Paciente. Esperou. Sempre numa postura imóvel e pálida, nem a fricção dos raios solares que lhe embatiam na pele o revitalizavam. Bem que podiam estar um dia inteiro a tentar perfurar-lhe a pele. Seria inútil, tal a sua tamanha imunidade.

Um dia, após a sua longa espera, ela chegou. Olhou todo o jardim, analisou-o. Viu-o sentado no banco, rodeado de solidão: o banco, as árvores, a relva, as flores, o lago, as pedras.

Acredito que a solidão seja um filme, no qual somos actores principais, tudo em nosso redor são figurantes, face à pouca preponderância que têm na acção. Ela é uma espectadora atenta ao filme.

Ser atenta como é, nenhum pormenor lhe escapou. Rapidamente encontrou um banco onde se sentar, situando-se este, no lado oposto do banco onde ele, imóvel, permanecia. Em passadas secas e delicadas sobre o verde da relva, ela dirigiu-se ao banco do lado oposto do jardim: sentou-se. Ambos em seus bancos permaneceram, ele imóvel, ela observadora. Nada lhe escapava. O seu olhar consumia atentamente todos os seres que vinham ao jardim. Eu não sei dizer ao certo, com quantos ela confraternizou, sei que foram vários. Mas com ele, nem um olhar ela trocou.

Agora, ele fumava um cigarro por acender. O cigarro é a ampulheta que define o tempo deles. Quando a última cinza cair ao chão, essa vai ditar o fim do cigarro, o fim da espera, aí, quem sabe, eles poderão entrar pacificamente em contacto.

Eterna espera da extinção do cigarro. Talvez ela tenha o isqueiro que falta para o acender. Para queimar o tempo. Porém, é visível a indiferença que ela demonstra em acender o cigarro dele. Aparentemente eterno.

Mas um dia, ela adormeceu no seu banco. Ele levantou-se. Em passadas aceleradas dirigiu-se em seu encontro, disse:

- Tens isqueiro?

Num acordar brusco e repentino, dando de caras com o encurralamento, ela viu-se obrigada a ceder, respondendo afirmativamente. Ele acendeu o cigarro. Fumou-o. Dissipou a ampulheta. Eles estavam agora em contacto. Tudo pela conservação de algo.

Nem tudo é para sempre, mas há coisas que podem ficar para sempre.

Ele apanhou-a de surpresa. Interrupção eterna do sono.

segunda-feira, abril 02, 2007

Mata-me outra vez.

Dor: uma palavra que conheço tão bem. Eu sinto a dor ao pequeno-almoço, ao almoço, ao jantar, quanto durmo, enfim, a dor persegue-me. Mata-me.
Eu nunca vi a dor, mas sei que ela dói. Só lhe sei o nome. Não lhe conheço parentes, mas ouvi dizer que eras mãe da dor. Deste à luz a dor dentro de mim e ela ficou. Mata-me.
Mas tu foste embora e teimas em não retornar, e a dor continua a causar distúrbios cá dentro. Não deste educação à dor, ela é uma criança rebelde e causa explosões dentro de mim. No meu coração. Mata-me.
Tu, ser belo e divinal, ser atento e cauteloso contemplas. Fora do teu campo de contemplação, estou eu. Perante a indiferença da tua vontade, em receberes-me em teu reinado. Matas-me.
Hoje é o dia em que me questiono pelo porquê da razão de me teres trazido a teu reinado um dia, para consequentemente de um dia para o outro, da noite para o dia me mandares embora. Levar-me. Porquê?
Persistência da dor. Dói-me a tua frieza imperial, de tremenda indiferença, como se um vagabundo eu me tratasse.
Doeu-me tanto tanto, mas tanto, a maneira subtil e monstruosa quando me disseste que acabou. Escondeste-te por trás de uma máscara, disseste: acabou. Mataste-me.

Afinal, quantas mais vezes tencionas matar-me?

Magoar-me.